Reflexão sobre a Relevância do seu Estudo no Contexto da Prática de Yoga
Gonçalo Correia
Ao reflectirmos sobre a relevância e importância do estudo da anatomia
e fisiologia do ser humano no contexto do Yoga sádhana, é interessante começar
por enumerar algumas das suas vantagens mais evidentes. Elas são:
1.
Prevenir
e tratar lesões;
2.
Detectar
precocemente ‘vícios’ que poderiam levar a uma prática incorrecta;
3.
Utilizar
uma linguagem clara e ao mesmo tempo simples, durante a descrição das técnicas
de yoga;
4.
Ganhar
familiaridade com os termos técnicos básicos dos livros de anatomia e
fisiologia, para facilitar o estudo e consulta dos mesmos.
Por vezes o praticante de yoga em busca de um
entendimento mais profundo (por exemplo, sobre como respirar correctamente no
pranayama, sobre se se deve meditar de olhos abertos ou fechados, etc) procura
em diferentes escolas esclarecimento. Essa
busca é positiva se o levar a identificar
aqueles aspectos essenciais e comuns a todas essas metodologias ou escolas.
Chamar-lhe-emos de aspectos universais pois ao identificá-los realizamos o
poder das técnicas. Neste contexto, estudar anatomia e fisiologia segundo uma
perspectiva yoguica, aliado a um sentido prático da vida, é com certeza um bom
contributo.
O ponto de partida no nosso estudo é perceber qual é a
função ou dever do osso e do músculo, qual é a função da articulação, etc. Isso é o que
chamamos de dharma do corpo humano: os princípios reguladores que mantêm o
equilíbrio, bem-estar e a saúde do nosso corpo. Por sua vez o sucesso do karma (acção e frutos das acções)
depende do dharma (função, dever). Por
exemplo, se cada uma dessas partes cumprir a sua função, ao entrar, permanecer
e sair do ásana vamos sentir estabilidade e conforto. Estabilidade e mobilidade
corporal são funções atribuídas ao aparelho músculo-esquelético, a base de
sustentação do nosso corpo. De uma forma geral, a anatomia e fisiologia
contribui para entender o dharma ou
funções dos diversos sistemas do corpo. E isso tem um grande impacto quer na
nossa prática diária quer num contexto de sala de aula. No caso do professor de
Yoga, depara-se inevitavelmente com alunos com diversas situações, como má
circulação sanguínea, artrose, dores de cabeça, ansiedade, fadiga mental ou
ainda outro tipo de patologias. O estudo aliado à nossa experiência pessoal do
Yoga torna não só mais fácil e metódico como também intuitivo lidar com este
tipo de problemas. Permite-nos, por exemplo, adaptar e ensinar de forma
personalizada os ásanas, as técnicas de pranayama, relaxamento ou de
meditação. Enfim, isto só para citar algumas das técnicas de yoga mais conhecidas. A ideia é que o yoga possa ser praticado por todos aqueles que
tenham vontade independentemente da condição física e mental de cada pessoa.
E já que estamos a falar de Yoga convém referir que as
medicinas e terapias orientais como o Ayurveda procuram promover o equilíbrio
geral na vida do indivíduo. Ou seja, em vez de focarmos no combate da doença
vamos antes promover a saúde e adquirir hábitos saudáveis. Por outras palavras,
em vez de pensarmos em ‘combater o cancro da pele’, porque não ‘promover a
saúde cutânea’? É uma questão de perspectiva mas que pode sem dúvida fazer
muita diferença!
Colocar-se como espectador (sakshi) no próprio sádhana é fundamental até chegar ao ‘o que
fazer, como fazer e quando fazer’. Devemos ser sensíveis a isto e não buscar
receitas.
Em suma, o mais importante é estudar, digerir, voltar
a estudar, ... e ir digerindo. Após um período de algum estudo acredito que
muitos estarão já aptos a responder a questões do género das que se seguem,
entre muitas outras. Que funções desempenham os músculos para além do
movimento? Porque é que no pádmasana
devo trabalhar a flexibilidade da anca e não do joelho? Qual o impacto da
postura corporal correcta em relação ao efeito fisiológico dos ásanas? E entre
a activação muscular, a circulação e drenagem linfática? O sistema nervoso é o
principal centro de comando do corpo. Em que elementos é que se baseia para
tomar as suas decisões? Porque é que as hérnias discais surgem na maioria dos
casos no fim da cervical ou no fim da lombar? Qual a influência da parte
voluntária do corpo na involuntária?
Estudar o corpo humano de uma forma sistematizada abre a
nossa percepção e entendimento. Lembrem-se que o primeiro nível de qualquer
tipo de yoga é descrito na Hatha Yoga Pradipika por Svatmarama como arambha avastha, o estágio dos
benefícios fisiológicos: forte apetite, boa digestão, alegria, uma imagem
bonita, grande coragem, entusiasmo e força plena. No Yoga Sutra, Patañjali refere
que a doença (vyadhi) e inércia (styana) causam inquietação mental que
nos impedem de nos conhecer verdadeiramente, como realmente somos. E isto é
muito prático. Na vida temos que o ser. Se não tivermos saúde e se não
cuidarmos minimamente do corpo, não será possível seguir na caminhada que é o
Yoga.
Ao longo dos mais de 11 anos de ensino ainda me continuo a surpreender
com o impacto positivo que o Yoga tem na vida das pessoas, enquanto contributo
para a melhoria da qualidade de vida (saúde e equilíbrio mental em geral) daqueles
que o praticam como também no sentido de expandir a visão de si mesmos.
O estudo da Anatomia e Fisiologia no contexto do Yoga é
apenas o início, a ponta do icebergue. o Yoga vai bem mais além, o foco não é
esse. Quer na Hatha Yoga Pradípika como na Shiva Samhita, além do arambha avastha (o estágio dos
benefícios fisiológicos) é referido que toda a prática de Yoga abrange mais 3
etapas. O Yoga Sutra não foge à regra. Para além da doença (vyadhi) e da inércia (styana) são enumerados mais sete
obstáculos (de carácter mental, intelectual e espiritual). Além destas, são
referidas mais quatro causas que advêm das distracções prévias.
Desejo-vos boas reflexões e principalmente inspiração e sucesso na
vossa prática de Yoga diária.
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