2.10.13

Anatomia e Fisiologia:


Reflexão sobre a Relevância do seu Estudo no Contexto da Prática de Yoga

Gonçalo Correia

Ao reflectirmos sobre a relevância e importância do estudo da anatomia e fisiologia do ser humano no contexto do Yoga sádhana, é interessante começar por enumerar algumas das suas vantagens mais evidentes. Elas são:

1.      Prevenir e tratar lesões;
2.      Detectar precocemente ‘vícios’ que poderiam levar a uma prática incorrecta;
3.      Utilizar uma linguagem clara e ao mesmo tempo simples, durante a descrição das técnicas de yoga;
4.      Ganhar familiaridade com os termos técnicos básicos dos livros de anatomia e fisiologia, para facilitar o estudo e consulta dos mesmos.

Por vezes o praticante de yoga em busca de um entendimento mais profundo (por exemplo, sobre como respirar correctamente no pranayama, sobre se se deve meditar de olhos abertos ou fechados, etc) procura em diferentes escolas esclarecimento. Essa  busca é positiva se o levar a  identificar aqueles aspectos essenciais e comuns a todas essas metodologias ou escolas. Chamar-lhe-emos de aspectos universais pois ao identificá-los realizamos o poder das técnicas. Neste contexto, estudar anatomia e fisiologia segundo uma perspectiva yoguica, aliado a um sentido prático da vida, é com certeza um bom contributo.

O ponto de partida no nosso estudo é perceber qual é a função ou dever do osso e do músculo, qual é a função da articulação, etc. Isso é o que chamamos de dharma do corpo humano: os princípios reguladores que mantêm o equilíbrio, bem-estar e a saúde do nosso corpo. Por sua vez o sucesso do karma (acção e frutos das acções) depende do dharma (função, dever). Por exemplo, se cada uma dessas partes cumprir a sua função, ao entrar, permanecer e sair do ásana vamos sentir estabilidade e conforto. Estabilidade e mobilidade corporal são funções atribuídas ao aparelho músculo-esquelético, a base de sustentação do nosso corpo. De uma forma geral, a anatomia e fisiologia contribui para entender o dharma ou funções dos diversos sistemas do corpo. E isso tem um grande impacto quer na nossa prática diária quer num contexto de sala de aula. No caso do professor de Yoga, depara-se inevitavelmente com alunos com diversas situações, como má circulação sanguínea, artrose, dores de cabeça, ansiedade, fadiga mental ou ainda outro tipo de patologias. O estudo aliado à nossa experiência pessoal do Yoga torna não só mais fácil e metódico como também intuitivo lidar com este tipo de problemas. Permite-nos, por exemplo, adaptar e ensinar de forma personalizada os ásanas, as técnicas de pranayama, relaxamento ou de meditação. Enfim, isto só para citar algumas das técnicas de yoga mais conhecidas. A ideia é que o yoga possa ser praticado por todos aqueles que tenham vontade independentemente da condição física e mental de cada pessoa.
E já que estamos a falar de Yoga convém referir que as medicinas e terapias orientais como o Ayurveda procuram promover o equilíbrio geral na vida do indivíduo. Ou seja, em vez de focarmos no combate da doença vamos antes promover a saúde e adquirir hábitos saudáveis. Por outras palavras, em vez de pensarmos em ‘combater o cancro da pele’, porque não ‘promover a saúde cutânea’? É uma questão de perspectiva mas que pode sem dúvida fazer muita diferença!

Colocar-se como espectador (sakshi) no próprio sádhana é fundamental até chegar ao ‘o que fazer, como fazer e quando fazer’. Devemos ser sensíveis a isto e não buscar receitas.

Em suma, o mais importante é estudar, digerir, voltar a estudar, ... e ir digerindo. Após um período de algum estudo acredito que muitos estarão já aptos a responder a questões do género das que se seguem, entre muitas outras. Que funções  desempenham os músculos para além do movimento? Porque é que no pádmasana devo trabalhar a flexibilidade da anca e não do joelho? Qual o impacto da postura corporal correcta em relação ao efeito fisiológico dos ásanas? E entre a activação muscular, a circulação e drenagem linfática? O sistema nervoso é o principal centro de comando do corpo. Em que elementos é que se baseia para tomar as suas decisões? Porque é que as hérnias discais surgem na maioria dos casos no fim da cervical ou no fim da lombar? Qual a influência da parte voluntária do corpo na involuntária?

Estudar o corpo humano de uma forma sistematizada abre a nossa percepção e entendimento. Lembrem-se que o primeiro nível de qualquer tipo de yoga é descrito na Hatha Yoga Pradipika por Svatmarama como arambha avastha, o estágio dos benefícios fisiológicos: forte apetite, boa digestão, alegria, uma imagem bonita, grande coragem, entusiasmo e força plena. No Yoga Sutra, Patañjali refere que a doença (vyadhi) e inércia (styana) causam inquietação mental que nos impedem de nos conhecer verdadeiramente, como realmente somos. E isto é muito prático. Na vida temos que o ser. Se não tivermos saúde e se não cuidarmos minimamente do corpo, não será possível seguir na caminhada que é o Yoga.

Ao longo dos mais de 11 anos de ensino ainda me continuo a surpreender com o impacto positivo que o Yoga tem na vida das pessoas, enquanto contributo para a melhoria da qualidade de vida (saúde e equilíbrio mental em geral) daqueles que o praticam como também no sentido de expandir a visão de si mesmos.

O estudo da Anatomia e Fisiologia no contexto do Yoga é apenas o início, a ponta do icebergue. o Yoga vai bem mais além, o foco não é esse. Quer na Hatha Yoga Pradípika como na Shiva Samhita, além do arambha avastha (o estágio dos benefícios fisiológicos) é referido que toda a prática de Yoga abrange mais 3 etapas. O Yoga Sutra não foge à regra. Para além da doença (vyadhi) e da inércia (styana) são enumerados mais sete obstáculos (de carácter mental, intelectual e espiritual). Além destas, são referidas mais quatro causas que advêm das distracções prévias.

Desejo-vos boas reflexões e principalmente inspiração e sucesso na vossa prática de Yoga diária.


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